A gestão imobiliária no Brasil está prestes a dar um salto importante com a criação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), conhecido como o “CPF dos imóveis”. Trata-se de uma iniciativa do governo federal que visa unificar, em uma base única e digital, todas as informações relacionadas aos imóveis urbanos e rurais do país, promovendo mais transparência, segurança jurídica e eficiência administrativa.
A proposta é ambiciosa: cada imóvel passará a ter um identificador único nacional, reunindo dados que hoje estão dispersos entre cartórios, prefeituras, órgãos ambientais, registros de imóveis e o Incra. Essa centralização promete reduzir conflitos fundiários, facilitar transações imobiliárias e combater práticas como a grilagem de terras, a evasão fiscal e a ocupação irregular.
No entanto, para que o CIB cumpra esse papel transformador, será necessário superar uma série de desafios técnicos, institucionais e jurídicos. O primeiro deles é a integração de bases de dados que historicamente não se comunicam — muitas vezes, por uso de tecnologias distintas, por ausência de padronização ou por disputas de competência entre esferas administrativas.
Além disso, é preciso considerar o risco de exclusão de comunidades e territórios vulneráveis, como ocupações urbanas consolidadas, áreas de periferia sem regularização fundiária e territórios tradicionais ainda não titulados. Se não houver um esforço articulado para incluir essas populações no novo sistema, o CPF dos imóveis poderá, paradoxalmente, acentuar desigualdades em vez de corrigi-las.
No contexto local, Santarém pode tanto se beneficiar quanto enfrentar entraves com a implementação do CIB. Boa parte do território urbano ainda carece de regularização fundiária, e a informalidade no uso e ocupação do solo dificulta a consolidação de um cadastro unificado. Sem o devido registro e titularidade, essas áreas continuam à margem das políticas públicas de infraestrutura, mobilidade, saneamento e moradia digna.
A iniciativa do governo federal precisa, portanto, ser acompanhada de políticas locais de apoio à regularização fundiária, à atualização cadastral e à inclusão social. A municipalidade deve atuar como parceira estratégica, fornecendo dados, articulando ações e garantindo que o CIB não seja apenas um banco de dados, mas uma ferramenta de justiça territorial.
Outro ponto crucial é o fortalecimento institucional dos cartórios e registros de imóveis, que terão papel central no processo de consolidação do cadastro. A simplificação dos procedimentos de registro e a digitalização dos serviços extrajudiciais podem ser grandes aliadas na consolidação desse novo modelo.
Por fim, é fundamental que o debate sobre o CPF dos imóveis seja participativo e transparente. A população, especialmente os pequenos proprietários, agricultores familiares e moradores de áreas urbanas informais, deve ter acesso à informação e aos meios para garantir sua inclusão no sistema.
O Cadastro Imobiliário Brasileiro tem potencial para se tornar um divisor de águas na história da política fundiária brasileira. Mas, como toda transformação estrutural, seu sucesso dependerá da forma como será implementado: com diálogo federativo, inclusão social e compromisso institucional. Somente assim poderemos avançar rumo a um país mais justo, onde o direito à propriedade e à moradia seja plenamente reconhecido e exercido.
* Sobre o autor:
É advogado especializado em Direito Público e Imobiliário, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Santarém. Atualmente cursa MBA em Incorporações e Construções Imobiliárias pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com mais de 20 anos de atuação profissional, é sócio do escritório Melo de Farias Advogados Associados, onde atua com foco em soluções jurídicas estratégicas nas áreas de urbanismo, regularização fundiária, questões sucessórias e planejamento patrimonial, sempre com foco em soluções jurídicas estratégicas e humanizadas.
Por Ítalo Melo de Farias*