O Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) está investindo na prática da Justiça Restaurativa como método eficaz de solução de conflito. Segundo informações da Coordenadoria de Infância e Juventude (Ceij), do TJPA, a Justiça Restaurativa se propõe a humanizar a aplicação da Justiça. Além da sanção ao ofensor, a metodologia busca a resolução do conflito a partir da participação de todos os envolvidos: ofensor, vítima, comunidade, rede de serviços. Cada um pode contribuir para o estabelecimento de uma cultura de paz.
Implantado no Estado desde 2011 em um projeto piloto na 2ª Vara da Infância e Juventude, a Justiça Restaurativa, corre paralelamente ao processo tradicional. O propósito, de acordo com a Ceij, é incluir e dar voz à vítima ao mesmo tempo em que busca a auto-responsabilização do ofensor, mas sem interferir no curso normal do processo judicial. O juiz pode levar em consideração o resultado do procedimento restaurativo para sua tomada de decisão, sem que a participação no procedimento restaurativo impeça o autor de cumprir uma medida socioeducativa, quando for o caso.
A 5ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Santarém, com competência em infância e juventude, utiliza a Justiça Restaurativa desde 2012. Segundo a juíza titular da Vara, Josineide Pamplona, a partir de 2014, todo processo de execução de medidas socioeducativas de internação passou a ser encaminhado para essa nova metodologia.
Por meio dessa metodologia, o magistrado, antes de solucionar unilateralmente um litígio, procura alcançar consensos, reconstruir relações e recompor os danos emergentes. As partes que aceitam participar da prática restaurativa são acompanhadas por profissionais especializados. Aberto o diálogo, o ofensor terá a oportunidade de falar sobre as razões que o levaram a praticar o ato ilícito e a vítima poderá revelar as angústias e os prejuízos que experimentou, expondo, os dois, abertamente os sentimentos que nutrem um com relação ao outro. A partir da chamada “escuta ativa” das partes, busca¿se fazer que compreendam melhor as respectivas responsabilidades, apontando¿lhes caminhos para uma convivência pacífica.
Alternativa
No Pará, a Justiça Restaurativa tem sido utilizada com maior frequência em atos infracionais que não tenham ocasionado lesões graves. Por exemplo, no caso de um ato infracional cometido por um adolescente, ao invés de simplesmente judicializar a questão, é possível optar pelo encontro entre a vítima e o ofensor na perspectiva de restauração dos danos, quando se encontram num espaço, diverso de uma sala de audiências, no qual o facilitador cuida para que todos possam falar e se escutar, na busca por um acordo que vise não necessariamente uma punição, mas sim a reparação do dano psicológico sofrido pela vítima.
Embora a Justiça Restaurativa no Brasil tenha tido um desenvolvimento inicialmente maior no âmbito da Justiça da Infância e Juventude e em ambientes escolares, é possível a sua aplicação em contextos criminais, prisionais, organizacionais, administrativos e outros.
Na Vara da Infância e Juventude de Santarém, cujas atribuições incluem as áreas infracional e protetiva, a prática restaurativa é aplicada (na área infracional) em três momentos: na escuta qualificada da vítima durante a realização do estudo psicossocial do caso; antes das audiências de remissão, durante encontros entre autores de atos infracionais e vítimas; e durante o processo de execução das medidas socioeducativas, quando são realizados círculos de construção de paz, para responsabilizar o adolescente pelo ato infracional e obter entre socioeducandos e seus familiares a restauração e/ou fortalecimento de vínculos familiares rompidos ou fragilizados.
“Já na área protetiva, são realizados círculos entre os envolvidos e diversos profissionais da rede de atendimento, objetivando construir estratégias de empoderamento de famílias vulneráveis a partir da formação de redes de cooperação e do compartilhamento de responsabilidades. Além disso, os círculos têm sido utilizados no contexto institucional para integrar e harmonizar a equipe de profissionais que atuam na Vara e na rede de proteção à infância e juventude do município, criando um clima organizacional cooperativo e amistoso”, explicou ajuíza Josineide Pamplona.
A magistrada observa que a humanização do atendimento aos envolvidos em conflitos, judicializados ou não judicializados tem sido um dos resultados mais perceptíveis, “não sendo ainda possível aferir o quanto isso tem contribuído com a prevenção de novos conflitos e com o fortalecimento de uma cultura de paz”. Segundo ela, ao tratar a conflituosidade com o foco nos múltiplos aspectos que podem ser considerados causas ou consequências, “a Justiça Restaurativa preenche um espaço que a legalidade não contempla, podendo ser um instrumento mais eficaz de pacificação e justiça”.
Atenção à vítima
Para o coordenador estadual da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Pará, desembargador José Maria Teixeira do Rosário, a Justiça Restaurativa é um método que possibilita desafogar o Poder Judiciário nos processos, com o propósito de disseminação da cultura de paz. O magistrado explicou que a prática permite um olhar “delicado” para a vítima. “Porque na justiça retributiva, o olhar é mais para réu, focado na absolvição e punição. Na restaurativa, o objetivo é de restaurar a lesão que ocorreu no tecido social”, analisa.
Segundo o magistrado, os resultados aferidos pelos relatos de pessoas atendidas indicam o alto grau de satisfação dos que aceitam passar pelo processo restaurativo, por terem a oportunidade de ser ouvidos em um ambiente seguro. Contribuem também para os resultados positivos da metodologia a participação ativa na tentativa de resolução de seus conflitos, a redução da sensação de medo e perseguição por parte do ofensor, a oportunidade de pedir desculpas, aliviar o sentimento de culpa e se sentirem apoiados pela comunidade, além de vislumbrarem novas possibilidades de inserção social, muitas vezes com o retorno ao ambiente escolar, tratamento contra uso de drogas, inserção na igreja, cursos profissionalizantes, e também reinserção familiar.
Na Justiça Retributiva, o crime é visto como uma violação contra o Estado, definida pela desobediência à lei e pela culpa. A justiça determina a culpa e inflige dor no contexto de uma disputa entre ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas. Já na Justiça Restaurativa, o crime é uma violação de pessoas e relacionamentos e cria a obrigação de corrigir os erros, compara o coordenador da Ceij. No caso de perdão da vítima, aplica-se a remição e, em consequência, se for o caso, o arquivamento do processo. Não se aplica a Justiça Restaurativa nos casos de reincidência dos crimes por ventura perdoados.
Segundo o desembargador José Maria do Rosário, o Judiciário paraense está empenhado na difusão dessa modalidade de composição de conflitos. Vários técnicos já receberam capacitação e estão atuando como multiplicadores da prática restaurativa. “A vítima geralmente não quer saber o porquê de o agressor ter agido de determinada maneira. A Justiça Restaurativa tem, então, essa finalidade, da reparação interior, da reparação do constrangimento moral, físico, de colocar agressor e vítima, além da família, comunidade e operadores do Direito, para falarem da questão e compor a solução do conflito”, ressalta o coordenador. “A Justiça Restaurativa prepara para o perdão, para a remissão, evitando, assim a ocorrência de novos conflitos.
Texto: Will Montenegro
Foto: Divulgação/CNJ
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